“Estamos formando uma geração de analfabetos motores”, diz pesquisador
Manoela, neta da namorada do professor de Educação Física Luiz Roberto Rigolin, é, aos 4 anos de idade, uma criança bastante ativa, que não desperdiça uma oportunidade de brincar. Certo dia, ela pediu a Rigolin para descer até o playground, pois havia avistado pela janela duas crianças pouco mais velhas, e depois as chamou para uma brincadeira. Ambas recusaram, preferindo continuar dedilhando seus tablets.
Segundo Rigolin, esse é um episódio emblemático do desenvolvimento de uma geração de “analfabetos motores” que cresce exponencialmente devido à utilização desmedida de aparelhos tecnológicos, ao pouco tempo que os pais dedicam ao tempo livre com os filhos, à reclusão urbana e à tendência de superproteção aos rebentos, aliada a preocupações com segurança.
Desde 2011, quando escreveu um artigo sobre o assunto, Rigolin tem pesquisado o tema e constata, com tristeza, que o desenvolvimento motor das crianças está cada vez mais atrasado, e o repertório de habilidades motoras tem decrescido de maneira preocupante.
“Participei de um congresso, em 2012, em que abordei o tema, e então a jornalista Iara Biderman, da Folha de S. Paulo, me pediu uma entrevista, para tornar pública essa constatação. Outros pesquisadores já usaram o termo ‘analfabetismo motor’, inclusive em trabalhos acadêmicos, mas essa expressão foi mais difundida a partir dessa entrevista. Já viajei o Brasil dando palestras. Isso não espanta os professores de Educação Física, que constatam diariamente esse quadro. Mas os pais se surpreendem e não têm dimensão da gravidade do problema”.
As consequências do analfabetismo motor se refletem em adultos com dificuldade para executar habilidades motoras básicas, como andar, correr, girar, saltar. Essa inabilidade para realizar movimentos básicos resulta em lesões e em dificuldades acentuadas para realizar atividade física na idade adulta, quando se veem obrigados a praticá-la devido a problemas crônicos como obesidade e diabetes.
A empresa de Rigolin, a Fity Gestão Esportiva, tem aplicado uma avaliação desenvolvida na Alemanha nos anos 70, o KTK ( (Körperkoordination Test für Kinder), elaborado cientificamente para avaliar as habilidades motoras em crianças e adolescentes. Os resultados são escalonados em cinco níveis: os dois primeiros atestam estágios ruins de desenvolvimento motor; há o nível normal (intermediário), o bom e o ótimo. “A maior parte das crianças e adolescentes testados figuram do normal para baixo. É raríssimo encontrar alguém que fique no nível bom ou ótimo. Mesmo crianças que participam de escolinhas de futebol costumam ficar nas faixas de normal para baixo”.
Rigolin explica que, por compreender um processo, o desenvolvimento motor fica bastante comprometido a partir do momento em que a criança que está engatinhando é colocada num cercadinho durante a maior parte do tempo. Da mesma forma, se essa criança não tiver um nível de atividade satisfatório dos três aos seis anos de idade, pode ter o desenvolvimento freado. “Esse passado compromete”.
O professor vê nas periferias um desenvolvimento mais pleno das habilidades motoras. Com pais menos superprotetores e maior dificuldade de acesso a aparelhos tecnológicos, o que se vê são mais crianças empinando pipas, jogando taco ou futebol. As alternativas das classes mais abastadas nem sempre são eficazes. “Os pais colocam as crianças em escolinhas de esportes específicos, e essa especialização precoce não é interessante. Querem colocar os filhos numa escolinha de natação, ou de vôlei, ou de futebol. São raros os clubes que oferecem uma alternativa multiesportiva”.
A empresa de Rigolin tem percorrido escolas para fazer os testes. “Costumo deixar na biblioteca das escolas um exemplar do meu livro, ‘Analfabetismo motor: a realidade das novas gerações’ e encaminho aos pais uma versão dele em e-book. Fazemos as palestras, efetuamos os testes e encaminhamos relatórios para os pais”.
O aconselhamento de Rigolin vai no sentido de se conter o uso excessivo das tecnologias. O educador também pede aos pais para que encontrem algum tempo para brincar com seus filhos.
A despeito da gravidade do problema, Rigolin nunca foi procurado por algum órgão público para difundir suas campanhas. Recentemente, ele tem conversado com Francisco Carlos Dada, responsável pelo Departamento de Gestão de Políticas e Programas de Esporte e Lazer da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer de São Paulo. “Existem planos de desenvolvermos um projeto em parceria com a Prefeitura. O que me move não são objetivos econômicos. O que me importa é fazer um trabalho com responsabilidade social, com objetivo institucional”.
Quem tiver interesse pelo projeto pode obter mais informações pelo site http://analfabetismomotor.luizrigolin.com.br/.
Matéria da Folha de SP
‘Estamos criando analfabetos motores’
Educador físico voltado à formação de atletas analisa limitações de crianças superprotegidas
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
Crianças brasileiras das classes média e alta estão mal preparadas para o esporte e sem vontade de se exercitar. E pais e escolas não ajudam, segundo Luiz Roberto Rigolin, autor de “Desempenho Esportivo: Treinamento com Crianças e Adolescentes” (Phorte, 631 págs., R$ 89).
Doutor em educação física com pós-doutorado em filosofia pela USP, Rigolin, 43, se dedica à formação de atletas e se preocupa com o desenvolvimento das habilidades físicas na infância. Aqui, ele fala das dificuldades atuais da educação motora.
Folha – Nunca se falou tanto de atividade física, mas as crianças estão cada vez mais sedentárias. O que acontece?
Luiz Roberto Rigolin – A prática de exercícios resulta do desenvolvimento motor, processo que começa desde que a criança nasce. Ela precisa experimentar todas as possibilidades de movimento para desenvolver habilidades físicas. Hoje tem menos oportunidade de fazer isso. Estamos criando uma geração de analfabetos motores.