Imagine o corpo humano como um grande
relógio, ou, melhor ainda, um conglomerado de relógios sincronizados
determinando a hora de acordar, conversar, comer, dormir, etc... Todas as
formas de vida respondem aos ciclos do sol, da lua e das estações: é o relógio
biológico – ou, usando termos mais científicos, o Ritmo Circadiano (Ciclo
Circadiano é uma redundância, uma vez que circadiano já significa "ciclo
de um dia"). Nosso corpo possui mais de 100 ritmos circadianos e a ciência
que os estuda é chamada de Cronobiologia.
Estamos de tal forma habituados a
este relógio interno que muitas vezes sequer lembramos de sua existência. Ele
governa todos nós com um ciclo que é correspondente ao tempo de uma rotação
terrestre. Cada ciclo de 24 horas influencia uma função do nosso corpo:
temperatura, níveis hormonais, ritmo cardíaco, pressão arterial e até mesmo
sensibilidade à dor. O ritmo circadiano mantêm o corpo alerta durante as horas
de claridade (dia) e ajuda-o a relaxar à noite. É capaz até mesmo de nos
acordar pela manhã quando esquecemos de ligar o alarme no relógio da cabeceira.
Infelizmente, ele também nos acorda nos dias em que poderíamos dormir até um
pouco mais tarde...
Nós, os fungos e as moscas ?
Ao estudar espécies tão diferentes
como fungos, moscas, camundongos e outros organismos, os cientistas descobriram
que o relógio biológico é controlado por determinados genes em comum:
pesquisadores da Northwestern University, nos EUA, descobriram que um mesmo
gene, chamado de "gene-relógio", possui a mesma função em moscas e
camundongos. Três genes-relógio em particular são os mesmos em vários
diferentes organismos e parecem formar a base de um relógio rudimentar preservado
em todas as espécies.
Alguns desses genes-relógio também
regulam ou estabilizam a atividade de outros genes, mas ainda não se sabe
exatamente como as proteínas codificadas por estes genes afetam as funções
corporais. Mutações nos genes-relógio geralmente provocam grandes mudanças no
ciclo – em seres humanos, isto significa uma completa incapacidade em
sincronizar o próprio ciclo com o ambiente, resultando em distúrbios do sono e
outros problemas.
Marcapassos do Sistema Circadiano
Nos mamíferos, o relógio biológico
localiza-se numa porção do cérebro chamada Hipotálamo, mais especificamente na
região denominada Núcleo Supraquiasmático (NSQ). Em alguns insetos, o relógio
está na retina dos olhos. Nos pássaros, o relógio pode ser encontrado no
hipotálamo ou na glândula pineal (hipófise). Via de regra, estes relógios estão
vinculados a fotorreceptores que sincronizam o relógio interno com a luz do
sol. As estruturas cerebrais que regulam a geração de ritmos e sua interação
com estímulos cíclicos são chamadas, em conjunto, de Sistema Circadiano.
A luz solar ao atingir
fotorreceptores na retina do mamíferos, desencadeia estímulos que viajam até o
cérebro através do nervo óptico. No cérebro, estes estímulos dirigem-se ao NSQ,
determinando os períodos do ciclo. As fibras nervosas também levam sinais do
Sistema Nervoso Central para a hipófise, afetando diversos níveis hormonais.
Por exemplo: os níveis de cortisol
(um hormônio que afeta o metabolismo e o sistema imune), são maiores entre 6 e
8 da manhã, diminuindo gradualmente durante o dia. Ao mudar o padrão de sono, o
pico de cortisol se adapta em correspondência. O hormônio do crescimento (GH),
por sua vez, aumenta com o sono em crianças – os níveis máximos são atingidos
nas primeiras duas horas de sono. Se a criança apresenta distúrbios do sono, a
produção de GH cai, prejudicando seu desenvolvimento.
Os derrames e os ataques cardíacos
são mais comuns no período da manhã do que em qualquer outro horário do dia.
Muitas pessoas podem pensar que não é seguro, então, exercitar-se pela manhã.
Todavia, a culpa não está no exercício, mas nas alterações presentes no corpo
no período matutino: o sangue se coagula mais rapidamente por volta das 8 horas
da manhã e a pressão também se eleva neste horário, permanecendo assim até o
final da tarde (quando começa a cair, atingindo seu ponto mais baixo durante a
noite). Estas alterações ocorrem independentemente da atividade física.
Exercícios são benéficos em qualquer hora do dia.
Ainda, atletas experimentam picos de
temperatura, força e flexibilidade no final da tarde – e este é o melhor
período do dia para competirem. À tarde, a sensibilidade à dor também é menor e
são necessárias doses menores de anestesia para obter os efeitos desejados.
Danos ao NSQ interrompem ou eliminam
o ritmo diário nos animais. Este marcapasso também pode ser regulado por
estímulos não-luminosos, como exercícios, drogas, neurotransmissores e
hormônios. À medida em que envelhecemos, o marcapasso cerebral perde células,
alterando os ritmos circadianos – e isto pode explicar o ritmo
"desregulado" de pessoas mais idosas.
É possível que existam outros
marcapassos nos mamíferos. Por exemplo, existem evidências de que um segundo
marcapasso sincronizem o comportamento com ciclos diários de disponibilidade de
alimento. Algumas evidências apontam para a existência de marcapassos que
regulam o ciclo diário de temperatura do corpo e outros ritmos associados.
E essa tal de melatonina ?
Os batimentos do relógio interno são
controlados pela produção de Melatonina pelo corpo. A melatonina é um hormônio
secretado pela hipófise e pode ser encarada como o óleo que lubrifica o
relógio. À medida em que envelhecemos, o corpo produz quantidades menores de
melatonina.
A hipófise é influenciada pela luz e
a melatonina nos deixa sonolentos. Assim, a hipófise diminui a produção de
melatonina durante o dia - mantendo-nos alertas - e aumenta sua produção à
noite.
Regulando seu relógio
Dormir uma ou duas horas mais tarde
além do horário habitual também pode causar problemas. É mais difícil acordar
na manhã seguinte e não raramente passamos o dia irritados e com dor de cabeça.
Isto pode não ser simplesmente "falta de uma noite bem dormida", mas
uma anormalidade no ritmo circadiano. Neste caso, a pessoa está em um ritmo
onde o corpo quer descansar das 4 da manhã até às 5 da tarde.
Manter um horário regular para o sono
e as refeições, praticar exercícios durante o dia (e não à noite, aumentando a
carga circulante de adrenalina e prejudicando o sono) e relaxar por alguns
minutos antes de ir para a cama são táticas que ajudam o bom funcionamento do
relógio biológico.
Avanços na pesquisa do ciclo
circadiano
Uma das descobertas mais importantes
dos últimos 10 anos, abordando o ritmo circadiano dos mamíferos, foi a
percepção de que os ritmos podem ser modificados com alguns estímulos: a
exposição a luzes especiais em certos períodos pode regular o relógio,
aliviando sintomas de insônia e outras alterações do sono, até mesmo melhorando
certos quadro depressivos. Exercícios noturnos também podem ser úteis quando se
precisa modificar o relógio.
Algumas pesquisas sugerem que a
Melatonina, administrada em períodos específicos, pode ser útil para corrigir
os ritmos diários, ajudando a vencer os sintomas de jet-lag e outros distúrbios
do sono.
(Jet-lag é um distúrbio causado por
viagens com grandes mudanças de fuso horário. O viajante experimenta dores de
cabeça, irritabilidade e uma incômoda sensação de mal-estar. Jogadores de
futebol, por exemplo, sofrem de Jet-lag quando viajam para jogos
internacionais, e isto pode interferir no seu desempenho atlético).
Muitos laboratórios analisam a
anatomia e a eletrofisiologia do NSQ. As células do núcleo são
extraordinariamente robustas e mantêm seu ritmo de 24 horas mesmo quando
isolados ou cultivadas em meios de cultura. No futuro, acredita-se que elas
poderão ser transplantadas para animais arrítmicos, restaurando seu relógio
interno.