terça-feira, 2 de março de 2010

Correr ou não correr resfriado?

Esta é uma dúvida que poucas vezes atinge o corredor de verdade, entusiasta das passadas. Porém, ela deve ser ponderada quando o que está em jogo é a saúde

Para alguns, correr com tosse, febre e nariz escorrendo é um suplício. A médica e meia-maratonista carioca Kátia Bloch, 48, afirma que já teve de treinar resfriada mais de uma vez: “Mas não é muito legal; cansa-se mais rápido e seu rendimento é mais baixo, porque se está no alto de suas capacidades físicas e biológicas”.

Já o profissional de marketing Rodrigo Araújo, 26, é mais cauteloso e conta que quando sabe que a enfermidade vai afetar o seu desempenho por dias a fi o, escolhe ficar em casa. “Do contrário, quando é somente uma dor de garganta ou nariz entupido, aí eu encaro meu treino”, conta.

Uma questão de intensidade

Segundo pesquisas da Ball State University, de Indiana, EUA, os sintomas comuns ao resfriado podem ajudar o sistema imunológico, estimulando-o a agir melhor, e, assim, ativando as defesas do corpo contra doenças. É o que sustenta Thomas Weidner, diretor do Laboratório em Pesquisa e Educação sobre Treinamentos Atléticos dessa instituição.

“Exercícios físicos estimulam o sistema imunológico”, disse. “Isso nos leva a acreditar que atividades físicas moderadas podem prevenir doenças como resfriados”, sugere Weidner. Seu grupo de estudos analisou 50 indivíduos que foram inoculados com o rinovírus (principal tipo de vírus associado a resfriados e constipações) e depois divididos em dois grupos. Vinte e cinco desses indivíduos correram, subiram escadas e pedalaram por 40 minutos ininterruptos a uma taxa de 70% de sua FC Máx. (frequência cardíaca máxima) todos os dias. Os 25 restantes foram instruídos a permanecer sedentários, restringindo seus exercícios a caminhadas até o trabalho ou local de estudos.

O grupo que se exercitou se sentiu melhor após os exercícios, mas nenhum dos dois grupos teve os sintomas piorados após o período da pesquisa. “Ninguém se sente bem quando está resfriado, principalmente quando tem sintomas na cabeça. Porém, nossa pesquisa mostrou que as pessoas mesmo assim podem se exercitar”, explica Weidner.

O cientista, porém, adverte: “A decisão de se exercitar deve se basear no local dos sintomas do resfriado. Exercícios leves a moderados são liberados e até indicados a pessoas com sintomas de resfriado localizados do pescoço para cima. Do contrário, se os sintomas também incluem os pulmões e o resto do corpo, o exercício não é recomendado”.

Com febre, nem pensar

O médico do esporte José Kawazoe Lazzoli tem opinião similar ao colega norte-americano. “Com qualquer infecção, não se deve treinar; com febre é absolutamente proibido”, afirma ele. Lazzoli explica o perigo:

“Entre outras complicações, pode-se desenvolver até uma miocardite [infecção no músculo cardíaco]”. Como nem todos os corredores são especialistas em infecções e seus sintomas, ele dá a regra: “Atente para seu estado geral. Caso sinta-se sem energia, não treine”.

Lazzoli atenta, ainda, para as combinações perigosas, como treinos seguidos de uma alimentação pobre e de noites mal dormidas. “Todas essas condições debilitam o sistema imunológico; é certo que cada pessoa tem uma resistência individual a infecções, mas é bom não abusar.”

Ele defende que para praticar qualquer tipo de atividade física é fundamental se alimentar adequadamente e ser capaz de conciliar períodos de trabalho/treino com períodos de repouso.

Em confluência com a pesquisa da universidade norte-americana, o médico do esporte explica que “exercícios de alta intensidade reduzem a atividade do sistema imunológico; ao contrário, exercícios de intensidade leve a moderada podem estimulá-lo”.

Correndo na chuva

“O resfriado é causado por vírus, ou seja, caso haja infecção por algum desses vírus, contrair-se-á a doença”, afirma o imunologista e clínico geral Luiz Augusto Fonseca, que atua no Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Ao ser indagado sobre a questão do ‘correr ou não na chuva’ e se a prática é sinônimo de resfriados subsequentes, Fonseca é enfático: “Não”. E explicou: “O que ocorre é que há um grande risco de se contrair um resfriado por conta da baixa temperatura do ar que está entrando nos pulmões nos dias chuvosos, e isso reduz as defesas locais do aparelho respiratório”.

O clínico fez, no entanto, uma ressalva: “Agora, se o indivíduo correr na chuva e não tiver contato nenhum com outro sujeito infectado, não ficará resfriado”.

Cautela e caldo de galinha

Lazzoli faz uma recomendação geral aos corredores enfermos: “Não há necessariamente correlação entre resfriados e corrida”, explica, sinalizando uma concordância com Fonseca.

“O exercício pode predispor a uma infecção respiratória se houver uma combinação como, por exemplo, exercício, má alimentação e pouco repouso”, acrescenta. “A infecção pode ser favorecida, ainda, por condições climáticas adversas e alta intensidade de treino”, explica. Para fi nalizar, ele fala em cautela: “Para quem não é atleta de alto rendimento e pratica atividade física com o foco na saúde, o melhor é esperar a infecção ser curada para retornar à rotina de exercícios”. A garantia é de uma recuperação mais rápida e de treinos mais produtivos.

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